quinta-feira, 24 de outubro de 2013

REGGAE NO BRASIL: CONEXÃO BAHIA




Salvador, Bahia. Primeira Capital do Brasil e um dos principais portos de chegada de navios negreiros vindos da África. Mais de 500 anos depois, esses negros tiveram filhos, filhos, netos, bisnetos... e assim, a terceira mais populosa cidade do país é também onde se concentra a maior população negra do Brasil. "Quando venho à Salvador me sinto em casa. A única coisa que me faz lembra que estou em Salvador, e não na Jamaica, é o português", disse certa vez o cantor Denis Brown, um dos ícones do reggae no mundo.


Gilberto Gil popularizou o reggae no Brasil, mas em vez de simplesmente abraçar como mais um novo ritmo, os jovens negros de Salvador viram naquela canção uma forma de se valorizarem e ter orgulho daquilo que fazia outros se afastar: a cor da sua pele. A curiosidade fez com que esses jovens passassem a ouvir o som que vinha da ilha. Não demorou muito para que mais do que apenas o som, conhecessem também as  ideologias por trás do movimento levantado por Bob Marley, o Rastafari,  religião criada por Salassiê, governador da Etiópia na década de 60, que previa um mundo dominado por negros. (Leia mais aqui "Quem é Jah?")


Edson Gomes foi um dos primeiros a popularizar o reggae raiz na Bahia.


A ideia de resistência e supremacia no cenário mundial agradou boa parte da parcela dos jovens que viam por meio da religiosidade e da necessidade de buscar um lugar numa sociedade racista, mesmo Salvador tendo 73% de sua população negra ou mestiça. Os primeiros Rastafaris nasceram nas ruelas do Pelourinho no inicio da década de 80 atraídos aos discursos que tinham base religiosa na Bíblia de um mundo melhor onde a injustiças não existiriam. Os rastafaris cresceram, e embora não tenham se tornado uma religião independente como ocorreu na Jamaica (a maioria deles, por causa da Bíblia, se tornaram evangélicos de igrejas neopetencostais),  se organizaram em sindicatos e associações e hoje é um dos símbolos de luta da cultura negra na Bahia. 

Assim, aos poucos, mesmo não seguindo a rigidez do rastafarianismo, fez surgir uma geração que curte o chamado reggae raiz. 

Valorização de Blocos Afros, como o Olodum, tiveram inspiração na resistência cultural do reggae.



Uma pesquisa feita pelo primeiro censo do IBGE realizada em 1991 deixou alarmada uma grande parcela dos grupos sociais e movimento negro de Salvador. Apenas 13% da população se declarava negra! O absurdo expunha uma situação clara: o próprio negro tinha vergonha da cor de sua pele. Foi desta forma que governo e associações iniciaram o movimento chamado "O Negro é lindo" com ações voltadas para a cultura e educação à valorização do negro. A inserção do ensino da cultura afro na grade escolar, além da reforma de monumentos e a revitalização do Pelourinho, com a criação da Praça do Reggae, ajudou a solidificar o ritmo na Bahia. 

"Nayambing Blues" foi o primeiro reggae a virar hit no carnaval de Salvador em 1997.


Como em Salvador tudo que entra no carnaval faz sucesso, bastava apenas que algumas dessas músicas entrassem no gosto popular. Edson Gomes já tinha conseguido a proeza de colocar duas canções nas FM de Salvador, com "Malandrinha" e "Samarina" mas ela ainda eram consideradas raiz demais para ser tocada num trio de axé. Foi somente em 1997, com o sucesso estrondoso de "Nayambing Blues" no Carnaval de Salvador, canção do Sine Calmon que é considerado um clássico do reggae baiano que finalmente o reggae raiz se tornava popular. 

Surgiu, inclusive, o chamado samba-reggae popularizado por Daniela Mercury e Margarete Menezes, que era uma mistura do samba de roda com o reggae, que mais tarde ajudou a criar o falado pagode baiano cantado por bandas como Harmonia do Samba e Parangolé.


República do Reggae - Um dos grandes eventos de reggae na Bahia.

Hoje o reggae é uma das principais locomotivas da música baiana. A maioria das bandas de reggae possuem letras que valorizam a cultura africana e a valorização do negro na sociedade. Outros que enveredaram pelo gospel possuem letras de temática mais cristã, como Nengo Vieira que apesar de evangélico tem grande aceitação no mundo do reggae. Talvez por causa disso, ainda seja um estilo meio marginalizado que precise lutar muito para conseguir se manter nas rádios, disputando espaço com o pagode e o axé music. Mas isso é motivo de orgulho. O reggaeman de Salvador é antes de tudo um guerreiro, tem na ponta da lingua o discurso de liberdade baseadas nos ideais de Bob Marley e do rastafarismo.

Uma das bandas da nova geração do reggae baiano.


O som através da nova geração como Adão Negro, Diamba, coloca o reggae presente nas principais rádios da cidade que resistem a seguir o reggae pop, e se esforça a se manter na raiz. Não tem a mesma força do Axé Music e nem do Pagode, mas é canção fácil em qualquer rodinha de amigos que queiram apenas sentar e curtir um som pra relaxar e se apaixonar. 


Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...